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São Luís (MA), 10 de março de 2024

Cerco contra Queiroz empareda Bolsonaro, que teme delação de aliado

Abatido, presidente diz que ex-assessor da família não era foragido e critica prisão "espetaculosa". Nas redes, bolsonarismo ensaia reação.
Live semanal Bolsonaro, 18.06.2020

A pergunta “onde está Queiroz”, que mobilizou por um ano e meio os opositores da família Bolsonaro, foi respondida nesta quinta-feira: Fabrício Queiroz, investigado ao lado de Flávio Bolsonaro por um suposto esquema de confisco de salário de servidores, foi preso em Atibaia. O ex-assessor e amigo da família Bolsonaro por mais de 30 anos estava em uma propriedade do advogado do clã presidencial. A ordem de prisão, que acusa Queiroz e sua mulher de ameaçar testemunhas e embaraçar as investigações, é preventiva, sem data para expirar. Por isso, explica Afonso Benites, o principal temor do Planalto é que Queiroz decida colaborar com a Justiça. Os promotores do caso, revelou Daniel Haidar, descrevem o ex-assessor como um “operador financeiro” do primôgenito do presidente, a ponto de fazer até os pagamentos das mensalidades escolares de suas filhas. “Queiroz é a chave do passado obscuro da família Bolsonaro e enfraquece o presidente que não pode mais fugir das conexões com o ex-assessor do seu filho, Flávio Bolsonaro”.

A MATÉRIA

Um abatido Jair Bolsonaro iniciou sua live semanal no Facebook nesta quinta-feira com uma breve referência à prisão de Fabrício Queiroz: “Parecia que estavam prendendo o maior bandido da face da terra. Mas que a Justiça siga o seu caminho. Repito, não estava foragido e não tinha nenhum mandado de prisão contra ele”, disse o presidente, comedido, em contraste com suas vociferações frequentes. Apesar da linha de defesa, Bolsonaro frisou não ter relação nenhuma com o caso que investiga a participação de Queiroz, amigo e assessor da família há 30 anos, e de nada menos que seu filho primogênito, o senador Flávio Bolsonaro, em um suposto esquema de desvio de dinheiro de verba pública do salários de servidores da Assembleia Legislativa do Rio. Depois de um ano e meio de avanço lento, táticas legais para congelar as investigações e o sumiço de Queiroz da vista pública e da Justiça, o ex-assessor dos Bolsonaro foi detido em Atibaia, no interior de São Paulo, na casa de Frederick Wasseff, advogado da família. Agora, os desdobramentos do caso tiram o sono do Planalto que já em batalha aberta com o Supremo Tribunal Federal e em plena crise econômica e sanitária.

Queiroz já está no complexo penitenciário de Bangu, no Rio, sem data para sair, dado que se trata de uma prisão preventiva autorizada pela Justiça. A principal preocupação da família Bolsonaro é que Queiroz faça delação premiada e envolva diretamente o senador Flávio. As 46 páginas do pedido de prisão contra o ex-assessor e contra a mulher dele, Márcia Oliveira de Aguiar (que também é investigada, mas não foi encontrada), deixam claro que os promotores do Rio consideram Queiroz um “operador financeiro” do filho do presidente, a ponto de até pagar as mensalidades escolares das filhas de Flávio. Ao contrário das declarações dos Bolsonaro de que mantinham distância do ex-assessor, os promotores citam também como o antigo faz-tudo da família seguia com atuação política no

Detalhe da casa de Wasseff, onde Queiroz foi preso, com cartaz com AI-5 e imagens de 'Scarface', filme de Brian de Palma em que Al Pacino faz um chefão do tráfico.

Prisão de Queiroz foi motivada por ameaças a testemunhas e interferência nas investigações

Fabricio Queiroz, left front, is escorted by police after arriving from Sao Paulo at the Japarecagua airport, in Rio de Janeiro, Brazil, Thursday, June 18, 2020. Brazilian authorities on Thursday arrested Quiroz sought as part of an investigation into allegedly suspicious movements of money he made while a driver for Flavio Bolsonaro, a Brazilian senator and son of President Jair Bolsonaro. (AP Photo/Silvia Izquierdo)

Queiroz pagou mensalidades escolares das filhas de Flávio Bolsonaro, diz MP do Rio

O ministro da Justiça, Alexandre de Moraes.

Maioria do STF dá sinal verde ao inquérito das ‘fake news’ e eleva pressão sobre Bolsonaro

Diante do quadro, o presidente parece ter sentido o golpe. Eleito como paladino anticorrupção e acostumado a ser entusiasta das prisões “espetaculosas” da Operação Lava Jato, ele sabe que a detenção de Queiroz pode ser mais danosa para a imagem de sua família do que qualquer outra investigação que o envolva. Todo o enredo dessa apuração circula única e exclusivamente os laços familiares do presidente. Queiroz é seu amigo há mais de 30 anos. E a apuração começa no gabinete de Flávio na Assembleia do Rio, onde foi deputado estadual por quatro mandatos, e envolve até a primeira-dama, Michelle Bolsonaro, que recebeu 24.000 reais de Queiroz.

As demais investigações, como a do inquérito das fake news, que acaba de receber a chancela do Supremo Tribunal Federal e apura ameaças contra a Corte, ou a que rastreia atos antidemocráticos, têm vinculações com seu grupo político, empresários ou com ativistas radicais. Ou seja, ele pode eventualmente driblar reveses e dividir a responsabilidade. Na de Queiroz, não. Sobra ainda o inquérito que apura se ele interferiu na Polícia Federal, como acusa o ex-ministro Sergio Moro, e que pode, no limite, se ligar ao caso Queiroz, já que um ex-aliado do presidente diz que ele foi avisado da operação contra o então assessor da família durante a campanha eleitoral

Um dos sintomas de que a prisão de Queiroz desnorteou o bolsonarismo foram as redes socias, seu campo predileto de batalha. Os apoiadores do presidente demoraram a reagir. Apesar de a detenção ter ocorrido no início da manhã, foi só no fim da tarde que começaram a aparecer as primeiras postagens nos grupos de WhatsApp bolsonaristas que são monitorados pela reportagem desde a campanha eleitoral. A maioria delas apenas replicava uma queixa do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) que cobrava que a Justiça deveria dar o mesmo tratamento concedido ao ex-assessor de seu irmão a outros 20 deputados e ex-deputados estaduais suspeitos de dividirem os salários dos servidores no Rio.

Na Câmara, o líder do Governo, Major Vitor Hugo (PSL-GO), também só se manifestou no fim do dia e seguiu na mesma linha de Eduardo. “Essas operações não atingem em nada as ações do presidente Jair Bolsonaro no passado”. Antigo membro da base bolsonarista, o senador Major Olímpio (PSL-SP), disse que a prisão de Queiroz traz uma “tempestade desnecessária” para o colo do presidente. “Quando um de seus filhos reage colando sua imagem com a do presidente, isso só aumenta a pressão contra o próprio presidente”, afirmou. Era uma referência a uma postagem de Flávio Bolsonaro no Twitter na qual ele dizia: “Encaro com tranquilidade os acontecimentos de hoje. A verdade prevalecerá! Mais uma peça foi movimentada no tabuleiro para atacar Bolsonaro. Em 16 anos como deputado no Rio nunca houve uma vírgula contra mim. Bastou o presidente Bolsonaro se eleger para mudar tudo! O jogo é bruto”.

Derrotas e demissão de Weintraub

A prisão de Queiroz acentua os cenários políticos e jurídicos que já não têm sido nada animadores para o chefe do Executivo. Enquanto o Brasil se prepara para confirmar oficialmente nesta sexta um milhão de casos e 50.000 mil mortes por covid-19, o presidente persiste na estratégia negacionista e está, há quase um mês, sem ministro da Saúde. Ao mesmo tempo, tem sido emparedado pelo Supremo Tribunal Federal que, em inquéritos distintos, autorizou investigações de ao menos 50 militantes e empresários bolsonaristas, além de onze parlamentares suspeitos de financiarem atos antidemocráticos. O Planalto também mira com preocupação o caminhar de ações pela cassação de sua chapa pelo Tribunal Superior Eleitoral por disseminação de desinformação nas eleições de 2019.

Ainda que nada tenha desfecho imediato, o cerco ajuda a minar a estabilidade do Governo, que viu-se obrigado a demitir seu ministro da Educação, Abraham Weintraub, que além da gestão caótica em uma pasta estratégica já havia defendido a prisão de ministros do STF, a quem chamou de “vagabundos”. A exoneração do ministro foi pensada com uma sinalização ao Judiciário de que o Planalto pretende arrefecer o clima bélico que incentivou nos últimos meses, mas ainda é cedo se será suficiente para convencer a cúpula do Judiciário.

Apesar da demissão, Weintraub, contudo, “cairá para cima”. Economista de formação e considerado pelos opositores como o pior ministro da Educação que o país já teve, ele foi indicado por Bolsonaro para um cargo de diretor-executivo no Banco Mundial, onde terá um salário aproximado de 90.000 reais. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), reagiu com ironia ao ser instado a comentar a indicação de Weintraub para o novo cargo. “É porque não sabem que ele trabalhou no Banco Votorantim, que quebrou em 2009 e ele era um dos economistas do banco”, afirmou. ]

Para além das frases de efeito de Maia, é no Congresso que ainda está um bastião seguro para Bolsonaro, desde que ele começou uma agressiva tática para angariar o apoio do chamado Centrão, para blindá-lo de eventuais problemas na Câmara. Um bom termômetro nas próximas semanas será ver se o bolsonarismo segue incólume no Parlamento ou se haverá chance de a oposição emplacar processo no Conselho de Ética contra Flávio Bolsonaro no Senado.

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