Às vésperas de completar três meses da primeira confirmação de covid-19 no país, o Brasil chegou às 23.473 mortes e 374.898 casos da doença completamente acéfalo em sua frente de combate. Enquanto o Ministério da Saúde segue sem um comando oficial definido há dez dias, o país falha em apresentar qualquer plano contundente para tentar barrar a progressão da doença, que não para de acumular cifras trágicas desde o primeiro caso confirmado, em 26 de fevereiro. De quando ocorreu a primeira morte, em 17 de março, já foram 14 óbitos por hora, em média, no país. O Governo de Jair Bolsonaro segue apostando na estratégia de incentivar o retorno da população às ruas para tentar aquecer a economia, contrariando as determinações das agências sanitárias, e vê, dia após dia, sua promessa de elixir, a cloroquina, ser desacreditada pela comunidade científica —a Organização Mundial da Saúde anunciou nesta segunda a suspensão “temporária” de ensaios clínicos internacionais com a droga por “precaução”. De planos mais concretos até o momento, o Governo só parece ter um: a substituição de seu primeiro escalão técnico, formado por profissionais na área, por militares, já que ao menos 15 foram nomeados até agora. Nesta segunda, o secretário de vigilância, Wanderson de Oliveira, responsável pela estratégia brasileira de combate à crise, foi exonerado.
Nesta segunda-feira, três meses depois do início da crise, o Governo federal criou regras para financiar leitos em hospitais de campanha. A pasta, que chegou a construir uma única unidade do tipo até agora, em Águas Lindas (Goiás), mas entregou apenas nesta semana, com atraso. Por isso, disse que não construiria mais estruturas provisórias, que agora devem ser implementadas e gerenciadas por Estados e municípios —algo que muitos locais, como por exemplo São Paulo, Ceará e Rio de Janeiro. “Com a pandemia, tudo é novidade e estamos tendo de buscar soluções de maneira ágil. No primeiro momento, se apoiou com o hospital de campanha, que tem uma gestão compartilhada, mais complexa. Com as dificuldades, chegou-se à conclusão de que era melhor descentralizar recursos e que isso ficasse com os Estados e municípios”, explicou o secretário-executivo substituto, Élcio Franco.
O hospital de Águas Lindas ficou um mês parado. Na sexta-feira, foi assinada a cooperação com o Estado de Goiás, que agora está na fase de contratar profissionais de saúde para que ele passe de fato a operar. Um outro hospital de campanha exclusivo aos povos indígenas, que chegou a ser anunciado pelo ex-ministro Luiz Henrique Mandetta, até hoje nunca saiu do papel. Com a mudança anunciada nesta segunda, a ideia é que as gestões locais demandem o financiamento dessa estrutura provisória. Mas, segundo o Ministério, elas só devem ser construída quando a capacidade instalada do sistema de saúde dos Estados e municípios atingir o limite e não haja mais possibilidade sequer de contratar leitos de hospitais privados. Os hospitais de campanha devem receber apenas pacientes com sintomas mais leves da doença —os mais graves são levados para as UTIs de hospitais normais, que em muitos Estados, como Amazonas e Ceará já estão saturadas. “Não quer dizer que o hospital só vai ser construído quando não tiver nenhum leito de UTI e sim que eu estou acompanhando a evolução, estou verificando o percentual de ocupação e baseado nesse prognóstico, vou identificar a necessidade de requisitar leitos da rede privada ou optar pelo hospital de campanha”, garantiu o secretário, em coletiva.
O problema é que até agora o Governo ainda não consegue sequer oferecer dados precisos de como estão as UTIs de Estados, municípios e do sistema particular. Ainda na gestão Mandetta, o Ministério da Saúde chegou a criar uma plataforma para acompanhar a taxa de ocupação tanto de leitos públicos quanto privados, mas nunca chegou a divulgar essas informações, que deveriam ser acompanhadas pela sociedade diariamente. A pasta admite que apenas 611 hospitais atualizaram até o momento o sistema e apela para que os hospitais cadastrem as informações diariamente. Também assumiu que não tem um controle global dos hospitais de campanha que já foram instalados por Estados e municípios. Sabe apenas que há altas taxas de ocupação de leitos em Estados com maior incidência da doença, como por exemplo São Paulo, Rio de Janeiro, Paraíba, Ceará e Pernambuco. “Se nós não tivermos dados atualizados de ocupação de leitos, taxa de óbitos e notificação de casos, fica muito difícil da gente ajudar tecnicamente e até reforçar estruturas nesses locais”, afirmou Élcio Franco durante a coletiva.
Sem uma estratégia unificada com Estados e municípios, e diante de discursos do próprio presidente que prejudicam essa integração, o ministro interino Pazuello decidiu viajar outra vez a Manaus ―onde o ex-ministro Nelson Teich já havia cumprido agenda para visitar hospitais― para avaliar as ações implementadas ali e a possibilidade de replicá-las em outros Estados. Durante a coletiva, Franco confirmou que Pazuello avaliaria o êxito de políticas, sem detalhar quais seriam elas. Manaus vive uma situação dura frente à pandemia. O Governo enviou 267 profissionais da saúde de seu cadastro nacional, que são custeado pelos gestores locais, e habilitou leitos de UTI. Não lançou ali, no entanto, nenhum ensaio de uma política diferenciada de enfrentamento à doença.
O EL PAÍS perguntou durante a coletiva qual é a nova estratégia do Ministério da Saúde para conter a epidemia após a saída de seu segundo ministro, mas a pergunta sequer foi lida aos gestores pela assessoria de imprensa. A estratégia de comunicação do Ministério da Saúde também tem mudado durante as sucessivas trocas de comando da pasta. Em seus releases à imprensa, tem preferido ressaltar números de pessoas que contraíram o novo coronavírus e se curaram, com a publicação de textos no site oficial no qual discorre sobre esses números por vários parágrafos até chegar nos dados mais duros da pandemia: as mortes e contágios em uma curva ascendente.
Na coletiva de imprensa, ao ser questionado se o ministério mudaria a estratégia em relação ao uso da cloroquina, após a suspensão dos ensaios pela OMS, Franco defendeu, novamente, a segurança da droga. “Meu filho teve malária e tomou sem nenhum problema”, afirmou, antes de passar a palavra para Mayra Pinheiro, secretária de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde, que rechaçou o estudo da organização, afirmando que ele não é “metodologicamente aceitável”, e disse seguir estudos nacionais e internacionais ainda em andamento, sem citar quais. “Estamos muito tranquilos e serenos sobre a nossa orientação do uso da cloroquina associada à azitromicina. Claro, respeitando a autonomia da prescrição médica”, diz.