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São Luís (MA), 10 de março de 2024

No MA, agrotóxicos são lançados de avião sobre comunidades e atingem crianças

Criança de 7 anos ficou com feridas abertas pelo corpo após levar banho de agrotóxico. Moradores de comunidades rurais no Maranhão e Pará gravaram o momento em que os aviões jogam pesticidas sobre suas casas em áreas disputadas com grandes fazendeiros

Ana Aranha, Hélen Freitas, Agência Pública/Repórter Brasil

Agrotóxicos: Aviões pulverizadores põem veneno da lavoura e nas pessoas

Ao ouvir o ruído do avião, André, 7 anos, correu para fora de casa vibrando de alegria. Estava curioso porque nunca tinha visto uma aeronave de perto e aquela sobrevoava baixo o suficiente para enxergar o piloto dentro. Correndo atrás do avião, sentiu gotículas caírem sobre o seu corpo. E então a sua alegria acabou. André começou a sentir uma coceira brava, tão persistente que não conseguiu dormir à noite. A pele amanheceu seca, com caroços. Manchas vermelhas se abriram em feridas e partes da pele ficou – e ainda está – em carne viva. Em vídeo enviado por sua mãe, é possível ver feridas abertas na sua cabeça, nas mãos, nos pés e nas pernas.

https://youtu.be/YxwgGH6cUMs

André foi banhado por agrotóxicos em 22 abril, terceiro dia em que uma aeronave agrícola sobrevoou a comunidade rural do Araçá, município de Buriti, no Maranhão. Ao ver a cena, Edimilson Silva de Lima, presidente da associação de moradores, pensou que um desastre estava em curso. Dos 80 moradores, ele contou ao menos oito que relataram sintomas de intoxicação como coceiras, febre e manchas no corpo, mas é possível mais gente tenha se intoxicado.

Uma delas é a mãe de André, Antônia Peres, que sentiu muita coceira nos dias em que a comunidade foi pulverizada. Ela lembra que a aeronave passou tantas vezes nesses dias que ela tinha que tomar banho correndo. Como o seu banheiro não tem teto, e a aeronave passava baixo, ela temia ser vista pelo piloto. “Quando eles demoravam, a gente sabia que tinham ido abastecer, então a gente ia tomar banho ligeirinho. Não aguentava de tanta coceira”, diz.

A comunidade suspeita que o responsável pela contratação do avião é um produtor de soja que tem histórico de conflitos com essa e outras comunidades da região, Gabriel Introvini. Segundo Diogo Cabral, advogado da Sociedade Maranhense de Direitos Humanos, o avião vinha de uma terra alugada por Introvini. Diversas denúncias feitas pelas comunidades e até uma operação da polícia apontam ele e seu filho, André Introvini, como responsáveis por desmatamento ilegal do cerrado, roubo de terras e tentativas de expulsar os moradores locais.

O conflito já dura cerca de quatro anos. As comunidades estavam na região antes da chegada das plantações de soja e viram o cerrado ser desmatado para dar lugar à monocultura. Hoje, algumas fazendas fazem fronteira com as casas.

“O quadro é muito grave, porque nós já temos um conflito agrário e, agora, eles jogaram veneno em cima das casas. É uma guerra química contra essas famílias”, afirma Cabral. O caso foi classificado como uma “gigante tragédia” em carta assinada por mais de 50 organizações do terceiro setor, entre elas a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), que monitora outros casos similares pelo país.

A Repórter Brasil e Agência Pública entraram em contato com os dois fazendeiros e enviaram o conteúdo da denúncia por email, mas não obtiveram resposta. Segundo o Canal Rural, Gabriel Introvini e seus filhos se dividem para plantar soja no Maranhão e no Mato Grosso.

Veneno como ameaça

O uso dos agrotóxicos como arma para expulsar os moradores foi citado como uma ameaça antes do episódio ocorrer, afirmam moradores do povoado de Carranca, que fica próximo à comunidade de Araçá e também atingido. “Recebi um recado que eles iam colocar o veneno pior que eles tivessem na porta da minha casa pra que eu não suportasse e desocupasse a área”, afirma o agricultor Vicente de Paulo Costa Lira, morador da comunidade de Carranca. Ele diz que a ameaça veio de funcionário do mesmo sojeiro, Gabriel Introvini, sobre quem Lira já fez diversas denúncias

Pior, essa não foi a primeira vez. A sua casa, que fica a 15 metros da plantação, recebe com frequência a nuvem de agrotóxicos aplicados pelo vizinho. Mas ele afirma que, nas duas semanas que precederam o dia 22, a aplicação se intensificou. Ele, sua esposa e três netos sentiram falta de ar, vômito e diarreia. Seu neto Arthur, de 8 anos, ainda teve febre e Lira dor de cabeça e irritabilidade. A família perdeu a conta de quantos animais – entre bodes e galinhas – morreram desde o começo da aplicação.

Os episódios de abril levaram o conflito muitos graus acima porque os aviões jogaram agrotóxicos de modo repetitivo sobre as casas e as pessoas. Mas essa não é a primeira vez que as comunidades respiram veneno. Diversos moradores das duas comunidades relatam que há anos sentem o cheiro e os efeitos da intoxicação, com episódios frequentes de náusea e dor de cabeça. Isso ocorre porque o agrotóxico é aplicado em áreas que fazem fronteira entre a fazenda e as casas. O vento leva a nuvem de veneno para as áreas habitadas.

O problema não é isolado ao episódio do Maranhão. Crescem as denúncias de comunidades rurais com sintomas de intoxicação devido a agrotóxicos pulverizados de avião por fazendeiros que têm interesse na sua saída.

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