
Daniel Gallas, Da BBC News Brasil em Londres
Uma reportagem do jornal americano Washington Post desta segunda-feira (1/9) afirma que o julgamento de Jair Bolsonaro será um momento em que o país vai confrontar o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e o passado autoritário do próprio Brasil.
O julgamento do ex-presidente e dos outros sete réus que compõem um núcleo da suposta trama golpista para reverter o resultado das eleições de 2022 começa na terça-feira (2/9) no Supremo Tribunal Federal (STF). Veja aqui como assistir ao julgamento e quem são os cinco ministros que decidirão o futuro de Bolsonaro.
Segundo o Washington Post, o julgamento “marca uma reviravolta significativa” no Brasil, já que o país “tradicionalmente escolhe a conciliação em vez da acusação quando se trata de supostos crimes contra o Estado democrático”.
“O julgamento de Bolsonaro também é o ápice de uma saga extraordinária que polarizou ainda mais o Brasil, testou a determinação do seu Judiciário e abriu um abismo cada vez maior com os EUA.”
O jornal cita as medidas tomadas por Trump contra o Brasil e o STF — como o tarifaço e as sanções contra Alexandre de Moraes — em retaliação contra o que o presidente chama de “caça às bruxas política” do Brasil contra Bolsonaro.
“Mas em vez de recuar, o Brasil aumentou a pressão sobre o ex-presidente e seus aliados”, escreve o jornal americano, citando os novos indiciamentos contra Bolsonaro e seu filho Eduardo no mês passado.
Agora o julgamento de Bolsonaro deve ser “acompanhado de perto por pessoas de todo o país e pode estabelecer um novo precedente para a responsabilização política, dizem acadêmicos”.
“O Brasil sofreu 14 tentativas de golpe em sua história, metade delas bem-sucedidas. A maioria envolveu militares, começando em 1889, quando oficiais armados depuseram o último monarca brasileiro, um vestígio do domínio colonial português”, escreve o Washington Post.
Sobre o regime militar que começou em 1964, o jornal americano afirma que “o resultado foi repressão generalizada e vigilância governamental descontrolada”.
“Centenas de pessoas foram mortas e muitas outras foram ‘sistematicamente’ torturadas ou presas, de acordo com a Comissão Nacional da Verdade, criada em 2012 para investigar abusos de direitos humanos cometidos pelo regime”, diz o Washington Post.
“Mas, ao contrário do Chile ou da Argentina – que também sofreram com regimes militares e posteriormente moveram ações contra os responsáveis – o Brasil aprovou uma lei de anistia que tornou processos semelhantes praticamente impossíveis.
Quem integra ‘núcleo crucial’ de tentativa de golpe segundo a PGR?
TODOS OS DENUNCIADOS:
Alexandre Rodrigues Ramagem
Deputado federal, concorreu à prefeitura do Rio de Janeiro em 2024 ano pelo PL. É ex-diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e delegado da Polícia Federal.
Almir Garnier Santos
Almirante de esquadra e ex-comandante da Marinha no governo de Bolsonaro. Ele defendeu os acampamentos em frente a quartéis do Exército depois da derrota de Bolsonaro na eleição de 2022.
Anderson Gustavo Torres
Ex-ministro da Justiça de Bolsonaro e ex-delegado da Polícia Federal. A polícia encontrou com ele uma minuta que sugeria a decretação de Estado de Defesa para intervenção nas eleições.
Augusto Heleno Ribeiro Pereira
Ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional e general da reserva do Exército. Foi capitão do Exército durante a ditadura militar. Segundo a PF, o grupo que tramava o golpe pretendia criar um “gabinete de gestão de crise” comandado por Heleno.
Jair Bolsonaro
Ex-presidente da República. Segundo a PGR, teria participado da formulação e edição de minutas do golpe. Além disso, segundo a denúncia, estaria totalmente a par do plano “Punhal Verde Amarelo”, para assassinar Lula, Alckmin e Alexandre de Moraes.
Mauro César Barbosa Cid
Ex-ajudante de ordens da Presidência e tenente-coronel afastado do Exército, é considerado peça chave nas investigações por conta de sua delação premiada. Foi preso em outra operação que investiga dados falsos sobre vacinação nos sistemas do Ministério da Saúde.
Paulo Sérgio Nogueira De Oliveira
Ex-ministro da Defesa, general da reserva e ex-comandante do Exército. Enviou um ofício em junho de 2022 com queixas ao TSE de que sete propostas feitas pelas Forças Armadas não estariam sendo devidamente consideradas.
Walter Souza Braga Netto
Ex-ministro da Defesa e candidato a vice de Bolsonaro em 2022. Segundo a PF, teria chefiado um gabinete de crise para realizar novas eleições e participado da elaboração dos planos golpistas.
O jornal diz que, com a redemocratização, o Brasil aprovou leis para evitar novos golpes como no passado.Mauro César Barbosa Cid
“As leis, que restringiam o discurso antidemocrático e criminalizavam conspirações contra o Estado, são a base das acusações contra Bolsonaro e seus supostos conspiradores”, diz o jornal.
Essas leis e o julgamento de Bolsonaro também teriam provocado uma reação da direita internacional.
“A aplicação agressiva dessas leis atraiu críticas significativas não apenas de Trump, mas também de outros líderes da direita global, que acusam o Judiciário brasileiro de censura ilegal.”
O jornal conclui a reportagem afirmando que qualquer que seja o resultado do julgamento de Bolsonaro, a direita radical seguirá sendo uma “força expressiva” no Brasil.