Se você se ofendeu com a declaração do chanceler alemão sobre Belém, deveria é tomar satisfação com os patifes que nos roubam (Metrópoles)
Muitos brasileiros ficaram indignados com a fala do chanceler da Alemanha, Friedrich Merz, sobre a sua passagem por Belém, onde participou da abertura da COP30 e ouviu pedidos de mais bilhões para as “florestas”. Até chamaram o sujeito de “nazista”, porque, como se sabe, todo alemão só pode ser nazista.
Em discurso a empresários do seu país presentes a um congresso de varejistas, o chanceler disse o seguinte:
“Senhoras e senhores, nós vivemos em um dos países mais bonitos do mundo. Perguntei a alguns jornalistas que estiveram comigo no Brasil na semana passada: ‘Quem de vocês gostaria de ficar aqui?’ Ninguém levantou a mão. Todos ficaram contentes por termos retornado à Alemanha, na noite de sexta para sábado, especialmente daquele lugar onde estávamos.”
Friedrich Merz deu uma bordoada no Brasil para valorizar, por contraste, as condições propícias aos negócios na Alemanha.
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Precisava? Não precisava. É, no mínimo, indelicado um chefe de governo ou um chefe de estado fazer comentários públicos desagradáveis sobre um país que visitou.
Dito isso, vamos ao que interessa: a referência do chanceler alemão condiz com a realidade de Belém? Condiz. Não é apenas Belém que é uma vergonha. O Brasil inteiro é.
Na capital paraense, porém, as condições de vida são ainda piores do que as de outras capitais brasileiras. Belém é a capital mais favelizada do país, de acordo com o IBGE. Quase 60% da população mora em favelas. Não tem nem sequer arremedo de esgoto.
Quando a miséria é dessa proporção, fica impossível esconder a realidade, como se faz em São Paulo e no Rio de Janeiro. Organizar uma conferência da ONU em uma cidade como Belém é, portanto, colocar a pobreza extrema, a ausência de infraestrutura, a sujeira, em vitrine mundial — e a coisa ganha ares de ironia perversa porque a conferência é ambiental.
A organização da COP30 é tão vexaminosa — e o vexame era anunciado pela falta de hotéis e a consequente necessidade de enfiar participantes da conferência para dormir em dois transatlânticos poluidores ancorados em um porto da cidade —, que até a ONU, em geral condescendente com países como o Brasil, aqueles em eterno desenvolvimento, reclamou.
Na primeira semana da COP30, o pessoal das Nações Unidas deu um ultimato aos organizadores para que providenciassem melhorias na segurança, na refrigeração das salas e nos banheiros sem água. Nunca se viu coisa igual, assim como jamais se viu piscina de Olimpíada ficar verde, como aconteceu no Rio de Janeiro, em 2016.
A COP30 reflete o estado geral de Belém e da nação: em maior ou menor grau, as nossas cidades são de uma precariedade vergonhosa, por causa da safadeza dos nossos governantes, e a nossa capacidade de organização é pedestre, bem de acordo com o QI médio de 87 pontos dos brasileiros e da falta de escola digna desse nome, outra legado dos safados que insistimos em eleger continuamente.
Se você se ofendeu com a declaração do chanceler alemão sobre Belém e saiu por aí dizendo que o sujeito é xenófobo, deveria é tomar satisfação com os patifes que nos roubam e riem da nossa cara, em um arco que vai do patrimonialismo histórico à corrupção mais despudorada.
E antes que você repita, como faz o gado, que os que dão razão a Friedrich Merz sofrem de complexo de vira-lata, já respondo que vira-lata é aquele cachorro, coitado, que chafurda nas favelas imundas, violentas, desumanas, deste nosso belo Brasil.
Mário Sabino é jornalista e escritor







