Na entrevista,Chefe do executivo brasileiro falou sobre o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), Brics, guerra na Ucrânia e COP30
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) concedeu uma entrevista exclusiva à Christiane Amanpour, da CNN Internacional, nesta quinta-feira (17), e comentou a ameaça do líder americano Donald Trump de impor 50% de taxas aos produtos brasileiros. Lula também falou sobre o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), Brics, guerra na Ucrânia e mudanças climáticas.
A seguir, confira a íntegra da entrevista
Amanpour: Bom, isso é bom, porque quero começar te perguntando: como é ser atingido por uma tarifa de 50% imposta pelos Estados Unidos, a maior economia do mundo?
Lula: Bem, Christiane, para mim foi uma surpresa — não só o valor dessa tarifa, mas também a forma como ela foi anunciada. Acho que está faltando um pouco de multilateralismo na mentalidade do presidente Trump, e ele sabe que um problema desse tipo se resolve à mesa de negociação.
O que aconteceu foi o seguinte: já estávamos negociando com os EUA há alguns meses. Meu ministro das Relações Exteriores, o vice-presidente da República, que também é ministro da Indústria, Desenvolvimento e Comércio, estavam todos em tratativas. Desde março, enviamos uma proposta ao governo dos EUA. Depois de dez reuniões, mandamos uma proposta no dia 7 de maio dizendo o que queríamos e quais eram os pontos essenciais para chegarmos a um acordo.
Para nossa surpresa, em vez de uma resposta à carta que enviamos, recebemos a notícia publicada no site do presidente Trump. Não foi uma resposta oficial por meios diplomáticos. Acho que foi um erro. Um grande erro, porque a carta do presidente Trump está cheia de inverdades.
Primeiramente, o sistema judiciário do Brasil é independente. O presidente da República não pode interferir no Judiciário. Segundo, o déficit comercial — isso não é verdade. Nos últimos 15 anos, os Estados Unidos tiveram um superávit de 410 bilhões de dólares em relação ao Brasil.
E terceiro: se vamos cobrar um imposto alto no Brasil, isso é um problema do governo brasileiro. Se eles não concordam, podemos estabelecer uma negociação. É assim que o mundo funciona no multilateralismo. É assim que funciona o comércio internacional e é assim que o Brasil atua.
O que não pode acontecer é o presidente Trump esquecer que foi eleito para governar os Estados Unidos, e não para ser imperador do mundo. Teria sido muito melhor estabelecer uma negociação antes e, então, chegar a um possível acordo. Somos dois países que têm relações muito boas há 200 anos. E ele está quebrando qualquer protocolo, qualquer liturgia que deveria existir entre dois chefes de Estado.
Foi muito desagradável. Estamos tentando conversar com o pessoal de lá, mas também estamos nos preparando para dar uma resposta. O que tenho dito publicamente é que vamos usar todas as palavras que existem no dicionário para negociar. Mas, se não conseguirmos chegar a um acordo, posso te assegurar que iremos à Organização Mundial do Comércio, ou poderemos reunir um grupo de países para reagir, ou ainda usar a lei de reciprocidade aprovada pelo Congresso Nacional. É assim que vai funcionar.
Lamento que dois países com uma relação extraordinária de 201 anos estejam brigando por vias judiciais porque um presidente não respeita a soberania do outro.
Amanpour: Agora, presidente, aparentemente o presidente Trump está dizendo que discorda da investigação e do processo judicial contra seu antecessor, o ex-presidente Bolsonaro. Ele afirmou: “Isso não passa de um ataque a um opositor político — algo que conheço bem. Já aconteceu comigo dez vezes.” Qual sua resposta a isso?
Lula: Minha resposta é que o Judiciário no Brasil é independente. O presidente da República não tem qualquer influência sobre o Supremo Tribunal Federal. Os juízes são aprovados pelo Senado, tomam posse e atuam com independência para proteger a nossa Constituição.
Bolsonaro está sendo julgado não por ser meu opositor político — eu ganhei três eleições nesse país. É importante lembrar que participei de cinco eleições, perdi três e venci outras duas. Nunca, antes, alguém neste país havia tentado um golpe como Bolsonaro tentou.
Ele não está sendo julgado pessoalmente, e sim pelos atos que cometeu. Tentou organizar um golpe. Planejou secretamente a morte do vice-presidente, de mim e do presidente do STF. Só por isso, ele já deveria estar sendo julgado. E o procurador-geral da República o denunciou. Acredito que ele será condenado.
Christiane, quero dizer algo ao povo americano: se Trump fosse brasileiro e fizesse o que aconteceu no Capitólio, ele também estaria sendo julgado no Brasil e, possivelmente, preso, pois teria violado a Constituição.
Amanpour: Devo dizer que o ex-presidente Bolsonaro nega todas essas acusações. Mas, além disso, seu filho, Eduardo Bolsonaro, que é deputado federal, tem feito lobby nos Estados Unidos pedindo sanções — inclusive contra ministros do Supremo. E agora Trump impõe sanções a todo o país, com essa tarifa de 50%. Os aliados de Bolsonaro querem que você retire as acusações.
Lula: Em primeiro lugar, não sou eu, presidente Lula, que está acusando Bolsonaro. Quem está conduzindo isso é o Ministério Público, e quem vai decidir é o Supremo Tribunal Federal.
É importante lembrar, Christiane, que fui julgado pelos mesmos tribunais, pelo mesmo STF. Nunca contestei o sistema. Simplesmente me preparei para a próxima eleição, se perdesse uma. Ele sabia que ia perder a eleição. Mesmo preso, as pesquisas mostravam que eu venceria. Agora, ele diz que a eleição foi roubada, tentou um golpe de Estado e fugiu covardemente para os Estados Unidos. Nem participou da minha posse.
Esse é um país que merece respeito. E o presidente Trump precisa respeitar a soberania do Brasil, do nosso Supremo Tribunal Federal, do Legislativo e do Executivo, da mesma forma como respeito os EUA.
Essa supertarifa também criará problemas para o consumidor americano, não apenas para os brasileiros. Estou tentando resolver o problema por aqui, conversando com empresários, produtores rurais, pescadores, sindicatos. Vamos encontrar uma solução. E daremos uma resposta formal, diplomática — com carta oficial do presidente do Brasil ao presidente Trump — para mostrar que respeito é algo bom. E gosto de respeitar e ser respeitado.
Amanpour: Como o senhor sabe, Trump já ameaçou tarifas de 50% sobre a China, depois recuou. Fez o mesmo com a Colômbia, e eles cederam. Muitos países preferem não provocar Trump com medo de consequências econômicas ainda piores. Qual é seu plano B econômico se o senhor não ceder às exigências de Trump? Quem será o seu mercado? Como o Brasil sobrevive?
Lula: Christiane, se eu te disser minha estratégia, ela deixa de ser estratégia. Mas posso te contar uma coisa: em dois anos e meio de mandato, abri 379 novos mercados para produtos e serviços brasileiros. Viajei muito e estamos prestes a fechar acordo com a União Europeia, com os países da ASEAN ((Associação das Nações do Sudeste Asiático), com países da América Latina. Vamos falar com o México e buscar novos parceiros comerciais.
Mas continuamos reconhecendo a importância dos EUA para nós. Jamais imaginei brigar com os EUA. Tive uma relação extraordinária com os presidentes Clinton, Bush, Obama e Biden. E espero ter com Trump também.
O importante é respeitar a soberania de cada país. Sobre desmatamento, o Brasil leva as mudanças climáticas muito a sério. Reduzimos 50% do desmatamento na Amazônia e meu compromisso é zerar até 2030. Espero que Trump venha à COP30, que será no coração da Amazônia, para ver isso de perto. O que quero saber é: os líderes do mundo estão levando a sério os alertas dos cientistas ou acham que é mentira?
Os países ricos prometeram, em Copenhague, em 2009, criar um fundo de US$ 100 bilhões por ano para ajudar países pobres. Até agora, nada saiu disso. Hoje, esse valor já deveria estar em US$ 1,3 trilhão.
Christiane, minha vida política nasceu na negociação. Fui líder sindical, fiz greves, assembleias, mas sempre resolvi tudo à mesa de negociação. É muito mais barato negociar do que guerrear. Ninguém morre numa mesa de negociação. O Brasil é um país de paz.
Amanpour: O senhor fala como negociador. Trump também se diz um grande negociador. Mas talvez vocês dois tenham ideologias diferentes demais. O senhor já disse que o comércio com os EUA representa 1,7% do PIB do Brasil e que “podemos sobreviver sem os EUA”. Acha que o Brasil e outros países — como os BRICS — vão criar mercados independentes para se proteger contra sanções unilaterais?
Lula: Christiane, vou ser direto: eu não sou um presidente progressista. Sou o presidente do Brasil. Não vejo Trump como um presidente de extrema direita, vejo como o presidente dos EUA, eleito pelo povo americano.
Não importa se gosto ou não da ideologia dele. O que importa é que somos os dois presidentes. O melhor seria nos sentarmos à mesa e conversar. Mas ele mostrou que não quer, acha que pode fazer o que quiser com tarifas. Ninguém quer se afastar dos EUA. O que queremos é liberdade comercial, não sermos reféns. Os Brics não foram criados para brigar com ninguém, mas para discutir nossas questões de forma igual e pacífica.
Foi assim que buscamos a paz na Ucrânia, em Gaza, na África — especialmente no Congo. O Brasil não participa de guerras. Queremos paz e negociação. Os EUA precisam entender isso.
Amanpour: Por fim, o que o senhor vai dizer à população brasileira? Isso já está sendo chamado de pior crise entre EUA e Brasil em mais de uma década.
Lula: Sinceramente, ainda não vejo como uma crise. Isso é parte da negociação — cada um fala o que quer, e escuta o que precisa. Mas a relação entre nossos países não pode continuar assim. Não sou imperador para tomar decisões e publicar em jornal. Trump publicou uma carta com condições prévias para negociação. Achei que era fake news — depois vi que era verdade.
O Brasil vai dar a resposta certa, no momento certo. E no meu pronunciamento, direi ao povo o que penso de tudo isso. O Brasil não gosta de confusão, gosta de negociar com paz. É assim que ajo e é assim que todos os presidentes deveriam agir. O Brasil é aliado histórico dos EUA, valoriza nossa relação econômica, mas não aceita imposições. Aceitamos negociação, não imposição.
Amanpour: Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, muito obrigada por estar conosco.
Lula: Obrigado, Christiane. E espero, sinceramente, que o presidente Trump reavalie sua posição.