Prefeitura do sertão maranhense diz que cidade ficará isolada por obra de R$ 280 milhões que começará em frente a fazendas de novo aliado do governador Carlos Brandão; governo do Maranhão diz que rodovia melhora logística do Estado e defesa dos outros citados disse que não se manifestaria
Por Gustavo Côrtes e Vinícius Valfré – ESTADÃO
Imangens de satélite mostra evolução de fazenda do governador do Maranhão às vésperas de nova estrada

O governador Carlos Brandão (PSB-MA) expande negócios para uma região pouco antes de licitar rodovia que é maior obra da gestão e vai beneficiar suas fazendas. Crédito: Vinícius Valfré com Sentinel-2 L2A/Copernicus
BRASÍLIA – A construtora responsável pela pavimentação do principal trecho da rodovia do Maranhão que vai melhorar o acesso a fazendas do governador Carlos Brandão (PSB) pertence ao irmão de um novo aliado do chefe do Palácio dos Leões que também será diretamente beneficiado pela obra.
A TAC Construções foi contratada para asfaltar 31,1 dos 86 quilômetros centrais da nova MA-372, e receberá R$ 77,8 milhões pela obra. A empresa pertence a Roberto Ferreira, irmão de Nicodemos Ferreira, um ex-prefeito do município de São Domingos do Azeitão (MA) por dois mandatos que passou, nas eleições de 2024, de adversário dos Brandão a um aliado do grupo no interior maranhense.

Com bonés da TAC, Nicodemos Ferreira (com braço erguido) e o irmão Roberto Ferreira (de camisa azul), dono da empresa; entre eles, o governador Carlos Brandão e o secretário estadual de Infraestrutura, Aparício Filho (camisa preta) Foto: Ascom/Governo do MA
O advogado que se apresentou à reportagem como representante de Nicodemos e Roberto Ferreira afirmou que nenhum deles faria comentários.
Em nota, o governo do Maranhão afirma que a obra é uma demanda antiga da região e que beneficia vários produtores de grãos que precisam levar a produção ao porto, na capital São Luís (MA).
Os irmãos Ferreira posaram com o boné da construtora da TAC na cerimônia que marcou o início das obras, no ano passado, ao lado do governador e do secretário estadual de Infraestrutura, Aparício Bandeira.
Leia também
Em nota, o governo do Maranhão afirma que a obra é uma demanda antiga da região e que beneficia vários produtores de grãos que precisam levar a produção ao porto, na capital São Luís (MA).
Os irmãos Ferreira posaram com o boné da construtora da TAC na cerimônia que marcou o início das obras, no ano passado, ao lado do governador e do secretário estadual de Infraestrutura, Aparício Bandeira.

Como revelou o Estadão, o governador intensificou investimentos nas terras da família localizadas às margens da nova estrada o às vésperas de licitar a pavimentação, anunciada como a maior obra de sua gestão.
Orçada em R$ 280 milhões, a rodovia é custeada com financiamento do Banco do Brasil. A estrada liga São Domingos do Azeitão ao município de Mirador.
O município do Azeitão tem 8 mil habitantes, mas uma extensão territorial equivalente a 60% de toda a área da cidade de São Paulo. Mirador é oito vezes maior, com uma população de cidade pequena, 21 mil moradores. Ambos sobrevivem de repasses de governos e são marcados pela produção agropecuária.
Prefeito de 2012 a 2020, Nicodemos é um dos maiores produtores da região. A aliança dele com Brandão é apontada por adversários locais como o motivo de um “desvio” no traçado da nova estrada que vai afastá-lo do centro de São Domingos por cerca de 10 quilômetros.
Em vez de seguir até as cercanias do comércio local instalado da cidade, o asfalto começará cerca de 10 quilômetros antes, em um cruzamento com a BR-230, conhecida como Rodovia Transamazônica. Com este novo traçado, a estrada começa bem perto do acesso principal às propriedades de Nicodemos Ferreira.
Cruzando dados ambientais com registros agrários, a reportagem mapeou que Nicodemos possui nas imediações da nova estrada pelo menos 15 mil hectares de terras, o equivalente a 21 mil campos de futebol. O próprio Roberto Ferreira tem cerca de 870 hectares registrados em seu nome nas proximidades da estrada que sua empresa constrói.
O ex-prefeito Nicodemos lançou um sobrinho à prefeitura, em 2020. Em 2024, tentou emplacar um primo, Kallyl Ferreira (MDB), que acabou concorrendo a vereador e sendo o mais votado de São Domingos do Azeitão. Ele se prepara para disputar a prefeitura em nome do grupo, em 2028.
Durante uma agenda na região, o governador foi abordado por empresários, vereadores e pelo prefeito. No vídeo que circulou nos grupos locais, todos aparecem descontentes com o traçado da nova rodovia e o governador se compromete a buscar uma solução.
O risco apontado seria o de inviabilizar negócios, como pequenos hotéis, restaurantes e postos de gasolina, que há anos são alimentados pelo fluxo de pessoas na BR. Não houve mudança no planejamento. Aliados do governador dizem que o interesse do prefeito, sim, é meramente pessoal. Lourival Junior (PP), o Junior do Posto, vende combustíveis. Procurado, ele não quis comentar.
Em uma publicação do ano passado em sua página oficial nas redes sociais, Júnior do Posto compartilhou o vídeo de um empresário que defende a construção da estrada, mas reclama do fato de ele começar longe de São Domingos do Azeitão. “O projeto, tal como está sendo executado, vai beneficiar apenas um produtor, deixando nossa cidade isolada”, escreveu o prefeito.
O município do Azeitão tem 8 mil habitantes, mas uma extensão territorial equivalente a 60% de toda a área da cidade de São Paulo. Mirador é oito vezes maior, com uma população de cidade pequena, 21 mil moradores. Ambos sobrevivem de repasses de governos e são marcados pela produção agropecuária.
A etapa de licitação e lançamento da obra coincide com investimentos financeiros e administrativos dos Brandão para ampliar a produção na localidade. Até então, a família focava os negócios em propriedades rurais de Colinas, outra cidade do Maranhão.
O Portal da Transparência do governo do Maranhão não fornece todas as informações sobre o certame em que a TAC foi escolhida para executar a obra. A plataforma não revela as concorrentes nem apresenta os anexos do edital, que contêm, entre outros dados, o traçado da nova via.
A justificativa apresentada para a omissão de documentos é o alto volume da papelada que precisaria ser digitalizada. Como alternativa, a Secretaria de Infraestrutura do Estado pediu aos interessados que fossem até o órgão para ter acesso pessoalmente às informações.