O cantor jamaicano Jimmy Cliff, lenda do reggae nascido James Chambers, morreu de pneumonia aos 81 anos, anunciou sua família em seu perfil no Instagram nesta segunda-feira (24). “Jimmy, meu querido, descanse em paz. Seguirei seus desejos. Espero que possam respeitar nossa intimidade nestes momentos difíceis”, dizia a mensagem assinada por sua esposa, Latifa.
Bertrand Lavaine, da RFI, em Paris, e AFP
“A todos os seus fãs ao redor do mundo, saibam que o apoio de vocês foi sua força ao longo de toda a carreira. Ele realmente apreciava cada um de seus fãs pelo amor recebido”, acrescentou Latifa no post. Segundo a família, “informações adicionais serão fornecidas posteriormente”.
Jimmy Cliff era um monumento da música jamaicana há mais de meio século. Se fez o planeta dançar e atravessou gerações com “Reggae Night” ou “Hakuna Matata”, também desempenhou na África um papel pioneiro e duradouro para difundir o gênero musical que abraçou, ressaltando sua dimensão sociopolítica. Ao longo de sua carreira, esse artista viajante desenvolveu relações tão sólidas quanto profundas com o continente.
Tudo começou bem: na primeira vez que pisou na África, no fim de 1974, Jimmy Cliff recebeu uma recepção inesperada. No aeroporto, contou ele, uma multidão se reuniu para saudar sua chegada à Nigéria. Historicamente, o autor de “Many Rivers to Cross” foi o primeiro “reggaeman” a se apresentar no continente tão caro ao movimento rasta. Vários concertos ocorreram pelo país.

Prisão na Nigéria
Em Lagos, no estádio Surulere, a estrela nacional Fela esteve presente. O rei do afrobeat convidou o jamaicano a passar a noite em seu quartel-general, a República de Kalakuta. Mas a estadia nigeriana tomou outro rumo: “Um tribunal superior de Lagos ordenou a prisão de Jimmy Cliff, um renomado artista jamaicano”, lia-se no jornal ganês Daily Graphic de 12 de dezembro. O motivo: rivalidades entre promotores locais e um contrato não cumprido. Libertado após três noites de detenção, o cantor transformou o episódio em música no estúdio, com a canção The News. Apesar da lembrança agridoce, isso nunca afetou sua visão da África, que apresentava como a terra de seus ancestrais.
Nascido em 30 de julho de 1948 na colônia britânica da Jamaica, em uma família modesta com sete filhos, James Chambers – seu nome de registro civil – foi criado em um vilarejo rural pelo pai e pela avó. Aos dez anos, foi enviado para Kingston, a capital. O jovem, que cantava não apenas na igreja, mas sempre que podia, descobriu outros estilos musicais pelo rádio. Na ilha recém-independente, a época era marcada pelo ska (que daria origem ao rocksteady e depois ao reggae). Seu primeiro compacto, em 1962, foi produzido por um vendedor de sorvetes sino-jamaicano que ele convenceu a entrar na indústria musical e a quem recomendou outro jovem cantor encontrado nas ruas: Bob Marley.
Buscando sucesso na Europa com um repertório soul nos anos 1960, Jimmy Cliff alcançou seu primeiro êxito internacional no Brasil em 1968, enquanto sua canção Vietnam conquistava o público contrário à guerra dos Estados Unidos. Ele também se tornou conhecido no cinema ao interpretar o papel principal do filme cult The Harder They Come (1972), cuja trilha sonora assinou em parte.
Embaixador do reggae na África
Apesar dos contratempos iniciais, Cliff rapidamente se tornou o principal embaixador do reggae no continente africano. Pouco depois de contratar a corista sul-africana Aura Lewis, realizou em 1977 uma turnê pelo Senegal, Gâmbia e Serra Leoa. Parte dos músicos foi recrutada localmente, entre eles o malinês Cheick Tidiane Seck. Nesse período, Cliff adotava o nome Naïm Bachir, refletindo sua conversão ao islamismo, etapa de uma trajetória espiritual complexa que o levou a explorar diferentes religiões e a se distanciar do movimento rastafari.
Sua popularidade se sustentava em um equilíbrio artístico: de um lado, um timbre e qualidades vocais notáveis, como na sua versão de “No Woman No Cry”, de Bob Marley, muito apreciada na África; de outro, a capacidade de abordar temas sociopolíticos e celebrar o continente. Isso o levou até à censura, como no caso de “Remake The World”, cujas letras (“Alguns possuem tudo, enquanto muitos não têm nada”) desagradaram ao regime segregacionista de Pretória e foram proibidas de difusão em 1977.
Mesmo assim, Jimmy Cliff pôde se apresentar na África do Sul em 1980. Vestido em uniforme militar – referência à luta da Namíbia contra a tutela sul-africana? – cantou em Soweto diante de cerca de 20 mil pessoas. No álbum seguinte, Give The People What They Want, reforçou a mensagem com a faixa Majority Rule.
Ao longo da carreira, realizou outros concertos marcantes em países como Gana, Zaire, Zâmbia, Madagascar, Marrocos, Tunísia, Argélia e Costa do Marfim, onde participou do festival Abireggae em 2015. Proprietário de um terreno na Libéria, percorreu o continente também em viagens pessoais.
Influência e legado
Essas experiências tiveram impacto direto em sua obra, tanto em inspiração – de Meeting in Afrika ao álbum Refugees (2022), cuja capa o retrata como faraó – quanto em colaborações com músicos africanos. Entre eles, o percussionista ganês Rebop Kwaku Baah, o camaronês Lapiro de M’Banga e grupos congoleses como OK Jazz e Afrisa International. O miniálbum Shout For Freedom, fruto dessas parcerias, ilustra sua forte atração pelas sonoridades africanas.
Com uma discografia de cerca de 40 álbuns, quatro prêmios Grammy e entrada no Rock & Roll Hall of Fame em 2010, Jimmy Cliff inspirou artistas como o sul-africano Lucky Dube. Seus sucessos foram reinterpretados inúmeras vezes, inclusive por grupos africanos desde os anos 1970. E com Hakuna Matata, tema do filme O Rei Leão (1994), sua voz tornou-se inseparável da África.







