
O grande “equívoco” de Flávio Dino.
Por Abdon C. Marinho.
CHEGOU ao conhecimento da patuleia que, por esses dias, o ministro do Supremo Tribunal Federal, Flávio Dino, em trânsito num “avião de carreira” para Brasília foi “hostilizado” por uma “popular” que, dentre outros impropérios, fez-lhe referência à condição de “comunista” do ministro.
Poucos dias antes (ou na mesma semana), durante a homilia cristã, no evento “Desperta Brasil 2025”, o bispo de Formosa – GO, Dom Adair José Guimarães, saiu-se como essa: “Pela intercessão de Nossa Senhora Aparecida, venha sobre vós a bênção que nos impede de ter fome, guerra, doença e o comunismo. Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Amém”.
Embora não pareça, os dois acontecimentos possuem um laço entre si que, nas linhas abaixo – tentarei esclarecer –, e dizem respeito a uma opção equivocada (e teimosamente sustentada) do “nosso” ministro.
Dino surgiu para a política estadual e nacional pelas “mãos” do ex-governador José Reinaldo, em 2006. Não é que ele não tivesse uma história antes, longe disso, já em 1984, ainda adolescente, “subiu” no palanque com o grupo Sarney que deixava o regime militar e passava a defender as “Diretas Já”; nos anos de faculdade, integrou o movimento estudantil na UFMA, chegando à direção do DCE; em 1989, participou da campanha de Lula para presidente, a primeira eleição direta; mas, estudioso, já em 1993/94, seguia para o magistério e para a magistratura federal; na esteira da eleição de Lula, em 2002, alguns de seus companheiros chegaram a cogitar e ensaiar para que deixasse a magistratura para ser o candidato do Partido dos Trabalhadores – PT, na capital, 2004, a ideia não vingou, pois o presidente estava mais ligado em manter suas alianças com o grupo Sarney. Foi Zé Reinaldo que mudou essa história.
No final de 2005 para o início de 2006, meu escritório foi contratado para trabalhar para o governador José Reinaldo – após a ruptura com o grupo Sarney, tanto ele quanto a família estavam “apanhando” da mídia sarneysista mais do que “galinha pra largar o choco” e sofrendo mais do que “sovaco de aleijado”, com o perdão do trocadilho –, foi nessa pouca convivência com o governador, acho que tivemos pouquíssimas reuniões, sempre na Casa de Veraneio de São Marcos, que percebi o quanto ele estava “encantado” com Dino e com a possibilidade dele (Dino) vir a ser o seu “sucessor” político, aquele que iria colocar em prática seus pensamentos e sonhos para o Maranhão.
Reinaldo via naquela eleição que tanto Jackson Lago quanto Edson Vidigal, se eleito um ou outro (no caso, Lago ganhou o direito de disputar o segundo turno com Roseana Sarney e sagrar-se vitorioso), seriam governadores de “transição” e Dino a “ponte para o futuro”.
Com esse propósito, seu empenho principal era a eleição de Dino – o “consórcio de candidatos governistas”, como ficou apelidado naquele pleito, as candidaturas de Jackson Lago, Édson Vidigal e Aderson Lago, levaria a eleição majoritária para o segundo turno – e, para isso, entregou a “missão” não apenas de elegê-lo, mas elegê-lo bem, aos melhores “profissionais” da política estadual, dentre os quais merecem destaque os ex-prefeitos de Caxias, Humberto Coutinho, e de Tuntum, Cleomar Tema, mas existiam outros “escalados” para fazerem “sobrarem” votos para o candidato.
Lembro que o governador comentou ligeiramente – com uma certa contrariedade –, a opção do ex-juiz em ser candidato pelo Partido Comunista do Brasil-PCdoB, mas nada que o fizesse mudar o roteiro. Digamos que era até “engraçado” aquela enormidade de “coronéis” da política estadual – acostumados a fazer a real política do estado –, de repente em plena campanha por um candidato “comunista”.
Como “missão dada é missão cumprida”, o candidato foi eleito com sobra de votos, ficando entre os mais votados daquela eleição.
O resto da história é mais conhecida. Jackson ganhou a eleição em segundo turno de Roseana; em 2008, Castelo derrota Dino na eleição para a prefeitura da capital; em 2009, Jackson perde o mandato de governador no TSE e Roseana assume o governo, derrotando Jackson, Dino e companhia nas eleições de 2010.
Para o presente texto, o que interessa é que a partir de 2013, com Jackson Lago já falecido, o nome que melhor se apresentava era o de Dino.
E por que digo que para o texto o que nos interessa vem a partir de 2013? Foi a partir desse marco temporal (talvez tenha escrito algo no final de 2012) que passei a alertar sobre o desserviço para as forças democráticas brasileiras mantermos uma candidatura viável pelo PCdoB. Ao meu sentir, seria reacender um debate ideológico tardio. Não fazia, e ainda hoje não faz sentido, esse debate sobre comunismo no Brasil, sem contar que sempre restariam as críticas às ditaduras comunistas de todo o mundo e a vinculação do comunismo brasileiro ao Stalinismo, pois o PCdoB ainda hoje se mantém leninista e stalinista.
Certa vez, o então pré-candidato foi avistado numa camisa da marca Lacoste. Choveram críticas. Mais uma vez, aproveitei a oportunidade para escrever que a opção equivocada pelo PCdoB seria combustível para os extremistas políticos. Escrevi o texto de alerta “Muito Além do Jacaré”. Sem contar as outras bobagens de “comunista de iPhone”, etc.
Apesar dos diversos artigos apontando que achava “equivocada” a candidatura pelo PCdoB, nunca levaram a sério os meus argumentos – nem o candidato, nem os auxiliares.
Candidato eleito, no dia da posse, anunciou que pela primeira vez um comunista chegara ao poder no estado. Passaram sete anos sustentando essa tolice sem se darem conta de que estavam açulando os extremistas políticos nessa “batalha” contra um suposto comunismo no Brasil.
Por derradeiro, o presidente Lula, ao indicar o Dino ao STF – ou por ocasião da posse –, fez questão de assentar que era a primeira vez que se indicava um “comunista” para a Suprema Corte do Brasil.
Muito embora o nosso presidente seja conhecido pelas tolices que profere, essa me pareceu absurdamente fora de contexto. Primeiro, que você indica um jurista de ilibada conduta e notório saber jurídico, que no seu mister deve abdicar de quaisquer correntes ideológicas e seguir unicamente a Constituição Federal. Segundo, que o indicado em momento algum de sua vida foi comunista.
Sendo São Luís uma aldeia e todo mundo se conhecendo, não há registro de que o ministro em algum momento da vida praticou ou viveu o comunismo. Mesmo no poder estadual, nenhum dos seus atos teve qualquer influência ou viés da doutrina comunista.
Tendo chegado à capital do estado há quarenta anos e, desde então, testemunhando e participando da vida política e social do estado, nunca tive conhecimento desse suposto comunismo apregoado, inclusive, pelo próprio. E, não entendo uma prática política e doutrinária como “autodeclarada”: ah, a partir de agora serei comunista. Não é assim que funciona.
Acho que esse “comunismo” sempre foi a “lá viúva Porcina”, aquela que era sem nunca ter sido.
Acredito que o mais próximo que sua excelência tenha chegado da “Internacional Socialista”, o hino mundial do comunismo, tenha sido o clássico “Oração Latina”, música de César Teixeira, que, nos meados dos anos oitenta, embalava nossos movimentos de rua.
A menos que seja como o comunista da anedota do português.
Há quase quinze anos reclamo da falta de sentido desse suposto “comunismo” na política brasileira, pois, inexistente, só tem servido para dividir ainda mais o Brasil. O único comunista brasileiro foi Luiz Carlos Prestes (1898 – 1990), depois dele nenhum outro.
Se a “adoção” desse suposto comunismo foi diminuir ou acabar com o estigma que essa doutrina causa nas pessoas, lamento dizer que o efeito foi o contrário do esperado, a “guerra de narrativas” foi perdida e não bastando os oportunistas galgarem espaços num suposto combate ao comunismo, agora temos até o bispo pedindo a intercessão de Nossa Senhora contra a doutrina inexistente no Brasil.
Abdon C. Marinho é advogado.